Foto de Noelle Otto

A queda

11 de janeiro, ainda em férias da escola. Levantei mais cedo do que previa, minha mãe receberá visitas e temos que deixar tudo organizado. Quartos, louças, banheiro, quintal. Ahhhh o quintal, quanta folha caída pelo vento. Não sei por onde começar a “varreção”. Aos nove anos, eu me viro muito bem com as tarefas de casa, até porque, tenho meu belo e esverdeado apartamento.
Cinco metros de altura, ainda há vestígios da decoração de natal. Uma pedra faz escada para o primeiro impulso. Subo, um vão separa os dois blocos. Do lado esquerdo fica o bloco A e o direito o meu, bloco B. Subo um, dois, três galhos; é onde fica o meu AP. Pé de manga ubá, bloco B, terceiro galho e ap nº 07.
Ouço meu nome vindo da rua, é minha amiga me chamando para irmos à casa da sua avó. Sem hesitar digo logo que sim, mas não me esqueço de pedir a permissão a minha mãe, isso era regra. Minha Caloi estava com o pneu furado, então, não restava outra opção senão ter que dividir a dela. Peço para ir conduzindo; sentada atrás ela não se importa. Primeira descida, curta, tranquila.  A próxima já não seria, eu sabia o caminho, só não contava com o imprevisto. Devagar eu viro a curva, ela surge. Parece não ter fim, era longa, um declive gigantesco. Começo a pedalar segurando o freio, olhos atentos lá na frente, sem movimento; era domingo e quase ninguém saia de casa nesse dia. Cidade pacata.
Pego um pouco de velocidade, adrenalina querendo sair. Um pouco mais de velocidade e começo a sentir o vento no rosto, a liberdade me dando um beijo. Está rápido de mais, aperto o freio. De repente, um estalo. O freio arrebentou,  a adrenalina deu lugar ao desespero. Minha amiga, até o momento, pula da bagagem. Estou só agora, e com a bicicleta mais leve para meu azar. Olhos lacrimejando, não sei se é choro ou poeira do vento, fim da temida descida, um cruzamento. Fecho os olhos, apertadamente. Uma manobra surpreendente, virei o guidon para a esquerda e de lado amorteci a queda. Peito ralado e mãos trêmulas. A essa altura, aprendi três coisas: revisar o freio, saber técnicas de salvamento e, principalmente, reconhecer que nem todos estarão com você quando estiver prestes a cair.


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