18h. Depois de um dia de chuva, fraquinha, a tarde finda com um por do sol tímido, mas extremamente significante. Vai ver é pelo fato de me mostrar que tudo se vai um dia, há um ciclo para cada coisa. Neste exato momento, eu ainda estou aqui no aeroporto, sentada próxima à janela que me permite ver o lado de fora.
Mais cedo, logo quando acordei, percebi que as coisas estavam diferentes, algo dentro de mim ficou sério e eu só me fazia pensar nele, meu mascote e, como eu o chamava, pequeno grande garoto. Entro no banheiro e lembro-me do dia em que disputamos o restinho de creme dental, aquele luta de dedos mindinhos teve 3 rouds, e claro que ele me deixou ganhar. Acabo de me banhar e desço para o café que já estava na mesa. Não tinha ninguém em casa, tinham ido ao centro resolver as burocracias finais para a viagem do meu irmão. Enquanto tomava meu café, tentava me acostumar com aquele silêncio, e dali por diante seria assim. Ele já não seria minha companhia pela manhã e não mais colocaria sua playlist do coffee, como ele dizia. Confesso que me apertou o coração nesse momento, passei a me dar conta que ele era minha melhor companhia e eu estava prestes a perdê-la. Nascemos no dia 04 de julho, éramos eu e ele sempre. Apesar de gêmeos, não éramos parecidos. Ele “roubou” toda a doçura na gestação, eu fiquei com a parte realista da vida. Ele era meu sorriso e eu os pés dele.
Nunca me esqueço do dia em que tive minha primeira e grande dor de amor, eu só chorava escondida debaixo da minha cama. Ele deitou para ficar de frente para mim e me entregou o último pedaço de bolo, que a vovó tinha feito. E me disse: é seu, é para você sorrir, quero que seu choro passe logo, porque está doendo em mim também isso você sente aí dentro. Éramos adolescentes e meu mundo não iria acabar por isso, mas ele me amparava.
Sabe aquela frase “ você só sente quando perde?”, então, acho que nunca fez tanto sentido para mim. Não que eu não o amava; eu só não demonstrava. Queria sempre perto de mim, mas nunca me desmontei, nunca mostrei minha vulnerabilidade. É, ele era o meu lado bom, ele é o que eu precisava ser.
O voo está marcado para as 16h. O tempo lá fora está ameno com uma chuvinha fina, sem pretensões de causar muito. Agradável. Não tenho muito tempo até ele partir e quase não o vi nesse dia, o que me deixa ainda mais agoniada. Depois de muito tempo concluindo os trâmites da viagem, eles chegam e me buscam para almoçarmos. Seria nossa última refeição juntos naquele ano e, talvez, a última por muito mais tempo. Fico olhando para ele e viajando em tudo que vivemos juntos; aquele olhar doce que me fazia quando pedia para mexer em seu cabelo. Das discussões sobre quem deveria organizar os talheres e jogar o lixo fora. Das horas fio de séries e análises categóricas sobre os filmes de animação e suspense. Das noites em claro estudando para as provas finais do colégio.
No carro, indo para o aeroporto, fico muda. Ele sabe o que estou sentido, e sempre foi assim. Mas eu não quero estragar esse momento que é dele, seu sonho desde criança. Morar e estudar na universidade que sempre quis. E se esforçou muito para isso.
15h35. Eu não quero sair de dentro desse abraço. Meu melhor amigo já não vai me acordar de madrugada para tirar meu travesseiro. Meu choro é a máxima demonstração da saudade que já sinto.
E ele foi.
Peço meus pais para me deixar ali ainda. Quero ver seu avião alçar voo. E agora estou aqui, sentada diante dessas idas. São tantas. Fico me perguntando o porquê não o abracei um pouco mais, o porquê eu não disse tudo que eu estava sentindo. Naquele momento era tarde demais para ser o que nunca fui para ele. O porquê de nunca ter dito que ele era quem me dava forças diante da minha aspereza, que ele era a minha leveza quando eu só via os fardos, que ele era minha certeza, quando eu era toda insegurança. Eu não dizia essas coisas, embora soubesse que devia isso a ele. Ele me ensinou que tudo de bom que vemos, sentimos e encontramos em uma pessoa, é direito dela saber. E eu nunca me expressei assim. Era egoísta, guardava para mim e só. Acreditava que me expressar dessa forma me deixaria vulnerável, que seria mal interpretada e não me retribuiriam da mesma forma, que seria um alvo de decepções. Mas ninguém nos deve algo, nós quem devemos aos outros. Devemos a nossa genuína forma de amar, amar por ser real, por ser quem são, por nos cativar de alguma forma. Descobri que como eu, são muitas as pessoas que têm medo de amar. Medo de demostrar a vulnerabilidade em ser sensível com o que importa de verdade, medo receber o amor que muitos dispensam sem pedir nada em troca, medo de ter que amá-los também como uma obrigação. Mas amar é gratuidade!
Está doendo agora, arrancar um pedaço assim de alguém exige muito. Mas vendo-o partir, eu só consigo ter a certeza de que ele não levou meu lado bom, ele só me fez enxergar que o melhor que eu tenho ainda estava escondido em mim e precisou ele ir para ela chegar, ou melhor dizendo, para eu enxergar. E eu o amo ainda mais por isso. Eu não posso e nem conseguiria ser como ele, a personalidade é única de cada um. A minha talvez seja mais fechada, normal. Mas o quão incrível é poder aprimorar o nosso dom de ser bom e amar. O quão incrível é a capacidade que temos em poder nos descobrir.
Quando ele voltar não quero apenas abraçá-lo, com certeza além do abraço quero dizer – Como eu sentir sua falta! E que bom é ainda ter tempo para dizer: Eu te amo, meu mascote!
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