Foto de Engin Akyurt

Era para ser apenas um café

Esta semana foi “daquelas”, muitas ações com prazos definidos e uma movimentação que tira qualquer um do seu pleno juízo. Não reparei no estado em que me encontrava, os dias passando e eu apenas dando conta de cada um, sem ao menos dar uma pausa e saber se estava tudo certo nessa agitação toda. Sexta-feira, chego do trabalho, tomo um banho gelado e me deito. Olho para o teto e aquela tela em branco me olha de volta e, de repente, vejo minha vida passando ali. Cada passo, minha rotina, meus hábitos.  Fico intrigada, há algo de errado naquilo tudo. Levanto-me e vou para frente do espelho, olho para aquela pessoa ali a minha frente; reparo-na e tomo coragem de perguntar – O que você fará amanhã? Não vale aquilo que você já faz todos os dias – Uma pausa longa até vir uma resposta, fixo o olhar para não perder-me de vista e titubear em responder, – Um café, isso mesmo, um café especial. Café especial? Que há de especial em um café? 

Não era um café, era sair da “casca”, da paisagem em que me encontrava. Negócio fechado! Amanhã seremos eu e eu mesma numa padaria charmosa que sempre vejo e nunca ousei entrar. Há tempos adiava essa conversa, eu , meus pensamentos e só. Sem pretensão alguma de algo além disso. Era necessário. Volto para a cama e diante de mim agora não mais um tela, mas um calendário, dia e hora destacados.

Amanhece e às 5h já estou desperta, levanto-me e ajeito algumas coisas para o tempo passar. Pego minha agenda e vou para um café fora da rotina. No caminho vou adiantando alguns pontos que pretendia esclarecer e ajustar. Algumas pessoas na sua caminhada matinal, um casal passa por mim, vendo-os imagino que já estão casados há uns 40 anos; meus olhos lacrimejam e já não sei se é pela brisa gelada que bate ou por imaginar a história de escolhas que aqueles dois teriam feito juntos. Confesso que isso mexe comigo. Alguns passos a mais e chego à padaria. Não imaginava que era tão aconchegante; não muito grande, com detalhes e artigos antigos, que particularmente me encantam. Ainda não havia grande movimentação de pessoas mas algumas mesas já estavam ocupadas. Dou uma olhada em volta e avisto uma no canto, ao fundo, próxima a uma janela com um vaso de margaridas, lindas por sinal.

Uma moça simpática vem até mim e me pergunta o que desejo; um café com leite, dois pães de queijo e pãozinho de ervas. Começo a escrever algumas reflexões e analisar como tenho passado os dias, os meses, os anos. Não é nada fácil parar e dialogar com você mesma. Há um embate de forças, muitas vezes controversas, e nem sempre se chega a algo decidido. Trabalho, amigos, relacionamentos, família, saúde, estudos, idade. De toda forma, estava sendo produtivo aquele encontro, algumas coisas sendo descartadas outras acrescentadas; experiências sendo reavaliadas para extrair o máximo de aprendizado; decepções cedendo lugar às novas perspectivas. Um silêncio. Fecho meus olhos e é como se algo ali dentro estivesse repousando.

Alguém me toca o ombro e imagino ser a simpática atendente, mas ao me virar vejo que não – Bom dia, tudo bem? Desculpe incomodar, estou sendo inconveniente, mas posso me sentar com você? – Fico por alguns segundos paralisada, e sem pensar muito só digo que sim. Embora não tenho facilidade para com essas situações inesperadas. Ele se senta a minha frente e se apresenta – Oi, mais uma vez peço desculpas pelo inconveniente, mas te explico. Moro aqui ao lado e praticamente todos os dias tomo meu café aqui na padaria, sempre me sento na mesa do lado oposto a esse, quase uma lei, e ontem me propus a mudar essa rotina, fugir da regra que impus a mim mesmo. Sempre via de longe essas margaridas aqui e fiz um acordo de hoje me sentar ao lado delas. Não imaginava que estaria ocupada a essa hora.

Ainda sob o efeito do inesperado, dou de risos e simplesmente compartilho que também estava “fugindo à regra” naquele dia, éramos dois fugitivos de uma prisão supervisionada por nós mesmos.

Era para ser apenas um café e acabou se transformando em um dos dias mais incríveis que tive. Conheci duas pessoas que nem me dava conta conhecer. Esse simpático fugitivo que se sentou junto a mim, e eu mesma. Um dia especialmente incrível para me conhecer melhor, conhecer uma versão minha que era teimosa em aparecer. No fim daquele café, não pude ter sensação melhor. Tudo é tão mais simples quando você se propõe a ver as coisas de um modo diferente, simples, sem grandes produções ou expectativas.

Saia da rotina de vez em quando, permita-se se conhecer um pouco mais, fazer algo que nunca tenha feito ainda (nada que ofenda seus valores e nem os do outro).

“A vida é o que acontece com você enquanto você está ocupado fazendo outros planos”!


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