Foto de John-Mark Smith

Carta aos meus trinta anos

Bem, gostaria de lhe escrever da varanda de um chalé em Viena, em uma manhã tímida que tarda em desaparecer. Olhando para o horizonte que, brisando sobre os meus cabelos, cai bem com uma canção de blues tocada baixinho. Mas confesso que não estou em Viena.

Sentada no chão da sala, de uma casa ainda alugada começo a escrever-te. Olha, minha cara, talvez você se sinta frustrada por eu não ter alcançado algumas coisinhas que havia planejado. Trabalho, casa, marido, filhos, cachorro, livro… Era para eu ter conseguido tudo isso, ou pelo menos uma parte. Adiantado as coisas para você. O trabalho?  Ainda não é o que me palpita os olhos; muitos anos de trabalhos rotineiros e nenhum que me proporcionasse o vigor da satisfação. A casa? Ainda não botei no papel, da casa dos meus pais saí, mas são muitos anos de aluguel. Marido? Ainda nenhum eleito, pode ser que este ano saia, torça aí! Mas dos que passaram por aqui, todos só queriam se divertir. Também não insisti. Filhos? Calma que ainda temos tempo. Uma coisa de cada vez. Cachorro tivemos alguns. E o nosso livro? Ahhhhh, virá!

Mas lhe escrevo para te encorajar, embora as notícias não sejam tão boas agora, há muita coisa a se comemorar. Durante esses anos você cresceu muito. Cresceu internamente, coisa que se precisa ter para bem saber aproveitar todas as coisas que mencionei. Vivendo o que vivi até agora, sei que nos seus trinta anos você estará ainda mais segura. Não me esqueço das vezes que se trancava no quarto para chorar e, por tanto te magoarem, não se reconhecia. Sentia-se vazia. Não foram poucas as vezes que precisou ser mais forte do que era para segurar a barra em casa. Segurava o choro e fingia ser inabalável. São tantos os dias fora de casa, num trabalho que toma todo o seu tempo. Precioso tempo. Trabalho necessário, não o que te alegra o coração ao sentir, mas é a ponte que precisamos. Algumas vezes eu te via daqui e, sentada no chão do quarto com os olhos molhados, observava. Dali me levantava, sabia que você precisava de mim. O caminho foi, ainda é um tanto penoso. Mas temos feito tanta coisa, com verdade, com entrega. Percebo que isso tem valido muito mais. Há tanta superficialidade que não teria sentido alcançar muitas coisas e não ser real. Profundo. Namoros que vem e vão. Trabalhos que não edificam e só “envaidecem” as pessoas. Tenho visto tantos filhos crescendo sem o amparo real de uma família,  por mais que pai e mãe estejam ali. Não é isso que desejo a você, por isso a parte mais difícil eu creio que conquistamos. Enraizamos o significado do SENTIDO. É demorado o processo.

Você não imagina o quanto espero para te encontrar aos trinta, não dará tempo  listar todos os itens até lá, estamos perta. Mas de onde eu estou agora, eu posso ver a mulher que você está se tornando. E olha, caramba! Que mulher! Não tem nada dessas filosofias modernas de frases de efeito, de uma vã ideologia de superioridade, ou coisa semelhante. Digo mulher porque de fato é uma. Mas digo porque vejo a força que leva com você. A construção dos pormenores de sua vida que edificam. A coragem de, na sua simplicidade, fazer valer. De ter aprendido a reconhecer que também é fraca e sensível. Que não é feio pedir ajuda quando os fardos pesarem.

Minha cara, assim como hoje, não se envaideça quando a vida lhe trouxer os bons frutos que tem plantado. Não menospreze as pequenas margaridas que nascem na beira da estrada. Continue apreciando as boas companhias durante o caminho, elas farão a diferença lá na frente.

Talvez você não me escreva de Viena. Pode mudar a rota se assim lhe aprouver.  Mas desejo que me escreva, contando as boas novas.

De toda essa trajetória que percorremos juntas, eu não tenho dúvidas: O melhor ainda está por vir!


Publicado

em

por

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *