Foto de Norbert Kundrak

Inércia

Agora estou aqui, sentado no sofá enquanto passa seriado na TV. Na minha cabeça somente a lembrança do que ela me deixou; vazio. Eu nunca a tive, mas é como se algo tivesse sido arrancado de mim, violentamente. Eu a admirava apenas nos meus pensamentos, gostava do jeito que ela mexia a caneta ao escrever e da forma discreta que ajustava as mangas da blusa de frio.


Lembro-me do dia em que percebi que ela era diferente de todas as outras, não que todas as outras estivessem abaixo dela, mas ela era diferente. Não sei explicar. Apenas senti. Lutei para resistir àquele encanto, falhei. Mas eu era orgulhoso, ainda sou, embora tenha melhorado um pouco. Não estava disposto a me envolver, nem sofrer; já havia sentido na pele o peso do desamor e não recomendo. Ela me quebrava por dentro e mal sabia ela que tudo que ela falava fazia sentido para mim. Eu gostava de ouvir.
Ela dizia que falava “abobrinha” demais, esse era seu charme. Acho que ela sentia algo por mim, não sei o que via nesse pobre rapaz, sabia tirar a minha melhor risada, mas ela não forçava. Não se montava toda para parecer mais especial do que já era, era ela, e só. Eu queria e não queria ao mesmo tempo, nada de compromisso sério, estava bem com a minha liberdade. A minha petulância em negar o sentimento me fez perder uma parte da minha história. E história boa, daquelas que a avó conta para os netos.

Ontem, quando a encontrei, conversamos. Aquele jeito insólito que ela tinha sobrepunha qualquer coisa. Um sorriso tímido ela me deu, na hora eu notei, respirei. Ouvi. Ela estava de partida, outra cidade, outros ares, uma outra vida. Meus parabéns eu lhe dei, apesar de querer que ficasse, talvez eu tentasse, não tentei.

E agora estou aqui, sentado no sofá enquanto passa seriado na TV, ouvindo de uma atriz uma frase clichê, que diz que quando você não diz o que sente, o outro vai embora sem saber que talvez tivesse um motivo para ficar. É, agora estou aqui, deitado no sofá…


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