Observo os dois de longe. Caminham lado a lado, numa conversa descontraída. Havia outras pessoas em volta, mas eles não notam. Olho para ela e é engraçado, tem um brilho nos olhos, nunca tinha visto ela assim. Ele parece pactuar disso também, naquele momento. Noto que ela está desconcertada, talvez insegura. Ninguém nunca havia reparado nela dessa maneira. É tão natural vê-los, e eles não sabem, não houve intenção dessa caminhada. Aconteceu.
Aqueles sorrisos de lado entregam o que estar por vir. Uma dança. Não era a música que os embalava, há algo mais forte. Como um ímã em seus braços e juntos trocam passos. No coração dela uma explosão. Calma, moça! Só dance, parece ser seguro aí. Com os olhos fechados ela o reconhecia, seu cheiro, seu perfume. Já é tarde e a música acaba. Hora de ir. Não dá, algo forte impede esse desenlace. Breve, um beijo acontece. Maior sinal de entrega, para ela. Dócil, sem pressa. Mas agora se foi, não houve volta. Doeu.
Ela não é a mesma daquela caminhada, acho que perdeu um pouco de si naqueles passos trocados. Ela não entendia, foi levada num conto de fadas e se perdeu. Não sabia por onde voltar. Caminhou de volta por aquele percurso, agora sozinha. Fragilizada. Olhava para trás e via suas pegadas. Eram firmes, as dele não muito, o vento desfazia. Eu que nunca deixei de acompanhá-la, seguia, admirada. Ahhh se eu pudesse moça, me protegia.
Como pode um cheiro te lembrar tanta coisa? Não era só um perfume. Esse cheiro dizia mais sobre ela do que dele próprio. É estranho, o que era para ser amargo traz a doçura do que ela foi.
Não é bom ser lembrado por um aroma ácido, e isso acontece quando se perde a docilidade de ser apenas real. Há perfumes que elevam a alma, como cheiro de terra molhada vindo pela janela do quarto. Como aquele cheiro da roupa da vó que só ela tem. Não menos importante, o perfume de quem soube ser. De quem soube, ainda que doesse, dizer adeus, são poucos os que perfumam os caminhos por onde passam, que se preocupam em deixar um “gosto” bom no ar. Melhor são aqueles que ainda que se dissipem, resolvem ficar. Já não é só cheiro, memória. É palpável, é também olhar.
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